terça-feira, 13 de julho de 2010

Pablo Neruda

As uvas e o vento


Pablo Neruda

...Tu perguntas o que a lagosta tece

Lá embaixo...
Com seus pés dourados.
Respondo que o oceano sabe.
E por quem a medusa espera,
em sua veste transparente?
Está esperando pelo
tempo, como tu.
Quem as algas apertam
Em seu abraço... perguntas...
Mais firme que uma hora e
Um mar certos? Eu sei.
Perguntas sobre a mesa
Branca do narval...
E eu respondo cantando como
Unicórnio do mar, arpoado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei
Pescador...
Que vibrou nas puras
Primaveras dos mares do sul.
Quero te contar que o oceano
Sabe isto: que a vida...
Em seus estojos de jóias,
É infinita como areia,
Incontável, pura; e o tempo,
Entre as uvas cor-de-sangue...
Tornou a pedra dura e lisa,
Encheu a água-viva de luz...
Desfez o seu nó, soltou
Seus fios musicais...
De uma cornucópia feia
De infinita madrepérola.
Sou só a rede vazia diante dos
Olhos humanos na escuridão...
E de dedos habituados à longitude
Do tímido globo de uma laranja.
Caminho, como tu, investigando
A estrela sem fim...
E em minha rede, durante
A noite, acordo nu.
A única coisa capturada
É um peixe...
Preso dentro do vento
Investigando a estrela sem fim...

domingo, 9 de maio de 2010

MÃE

De Mário Quintana
Mãe

Mãe!São três letras apenas
As desse nome bendito:
Três Letrinhas e nada mais...
E nelas cabe o Infinito.
E  palavra tão pequena
- confessam mesmo os ateus –
É do tamanho do céu!
E apenas menor que Deus...




LILI INVENTA O MUNDO
Mario Quintana
Il. Suppa
Editora: Global

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Romanceiro da Inconfidência

Edusp : Imprensa Oficial, 2004


De Cecília Meireles


Romanceiro da Inconfidência
Romance LIII ou Das palavras aéreas


Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
Sois de vento, ides no vento,
No vento que não retorna,
E, em tão rápida existência,
Tudo se forma e transforma!

Sois de vento, ides no vento,
E quedais, com sorte nova!

Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
Principia à vossa porta;
O mel do amor cristaliza
Seu perfume em vossa rosa;
Sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota...

A liberdade das almas.
Ai! Com letras se elabora...

E dos venenos humanos
Sois a mais fina  retorta:
Frágil, frágil como o vidro
E mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
Pelo vosso impulso rodam...

(...)

Detrás de grossas paredes,
De leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda
Sem peso de ação nem de hora...
_ e estás no bico das penas,
_ e estais na tinta que se molha,
_ e estais nas mãos dos juízes,
_ e sois o ferro que arrocha,
_ e sois barco para o exílio,
_ e sois Moçambique e Angola!

(...)

Ai, palavras, ai, palavras,
Mirai-vos: que sois agora?

(...)

Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro de aragem...
_ sois um homem que se enforca!


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Mário Quintana

Mário Quintana agradece ter sido o escolhido. É o que me parece ao ver esta fotografia e escolhê-la para ilustrar este post.
Sei que foi difícil escolher, entre tantos poetas, um. Apenas vinte e um leitores votaram e, como todas as estatísticas, é uma simples representação, nem sempre corresponde à vontade de todos. Confesso que não fiquei surpresa porque Quintana é muito popular. Cá entre nós, todos têm sua preferência!
Afinal, o poeta tem resposta para quase tudo.


Arte poética


Esses poetas que tudo dizem
Nada conseguem dizer:
Estão fazendo apenas relatórios...


Mario Quintana; Velório sem defunto, 1990

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Murilo Mendes





O Visionário
Eu vi os anjos nas cidades claras,
Nas brancas praças do país do sol.
Eu vi os anjos no meio-dia intenso.
Na nuvem indecisa e na onda sensual.

À meia-noite convoquei fantasmas,
Corri igrejas de cidades mortas,
Esperei a dama de veludo negro,
Esperei a sonâmbula da visão da ópera.

Na manhã aberta é que vi os fantasmas
Arrastando espadas nos ladejos frios:
Ao microfone eles soltavam pragas.
Vi o carrasco do faminto, do órfão,

Deslizando, soberbo, na carruagem.
O que renegou a Deus na maldição,
Vi o espírito mau nas ruas,
Cortando os ares com seu gládio de sangue.

Vi o recém-nascido asfixiado
Por seus irmãos, à luz crua do sol.
Vi atirarem ao mar sacos de trigo
E no cais um homem a morrer de inanição.

À luz do dia foi que vi fantasmas,
Nas vastas praças do país do amor,
E também anjos no meio-dia intenso,
Que me consolam da visão do mal.

Murilo Mendes.  As Metamorfoses.

domingo, 4 de abril de 2010

Páscoa


As espigas de Aninha

A estrada da vida
pode ser longa e áspera.
Faça-a mais longa e suave.
Caminhando e cantando
com as mãos cheias de sementes.

A um jovem distante
o Pai deu uma gleba de terra,
e disse: trabalha, produz.
Era no tempo e ele plantou...
E me mandou no tempo quatro espigas de sua planta,
enfeitadas com os selos caros do correio.

Como o Leitor receberia este presente?

Era abril na minha cidade.
Páscoa.
Sempre, abril é Páscoa.
Recebi as espigas resguardadas em meia palha dourada,
símbolo de um trabalho fecundo.

Preparando sua terra
plantando e produzindo,
ele estava esquecendo angústias
do presente
e enchendo a tulha do futuro.

Eu o abençoei de longe
com a ternura dos meus cabelos brancos.

Cora Coralina

em 
Vintém de Cobre, meias confissões de Aninha, Editora da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 1987
Fonte: Para ser zen

domingo, 28 de março de 2010

Cassiano Ricardo

Poética

1
Que é a poesia?
       uma ilha 
      cercada 
  de palavras
         por todos 
       os lados.

Que é o Poeta?
             um homem
         que trabalha o poema
              com o suor do seu rosto.
            Um homem
        que tem fome
  como qualquer outro
homem.

Cassiano Ricardo
Jeremias Sem-Chorar

domingo, 21 de março de 2010

Emily Dickinson





Hora em que chamarem de louca

Muita loucura é sabedoria divina
Para um olho inteligente.
Muita sabedoria, pura loucura.
Mas, como sempre,
A  maioria domina:
Se você concorda, é boa gente.
Se nega, um perigoso sem cura.
Melhor prender com corrente.
Emily Dickinson
Tradução de Ângela-Lago em O livro das horas


sábado, 20 de março de 2010

Mário de Andrade




Lundu do escritor difícil

Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquizila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar duma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nesta escurez.

Cortina de brim caipora,

Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.

Misturo tudo num saco,

Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!


Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!...
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh "xavié"
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!

Virtude de urubutinga

De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês "singe"
Mas não sabe o que é guariba?
— Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.

Mário de Andrade

quarta-feira, 17 de março de 2010

João Cabral de Melo Neto

Tecendo a Manhã 
1. 
Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 

De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos. 
  

2. 
E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto
A Educação pela Pedra 

terça-feira, 16 de março de 2010

Manuel Bandeira



Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

segunda-feira, 15 de março de 2010

Vinicius de Moraes



O Haver


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura

Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
— Perdoai! — eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia de simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano, ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.

Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do próprio reino.

Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.

Vinicius de Moraes


domingo, 14 de março de 2010

Mário Quintana


I. DA OBSERVAÇÃO

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

 II. DO AMIGO

Olha! É como um vaso
De porcelana rara o teu amigo.
Nunca te sirvas dele... Que perigo!
Quebrar-se-ia, acaso...



 III. DO ESTILO

Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.



IV. DA PREOCUPAÇÃO DE ESCREVER

Escrever... Mas por quê? Por vaidade, está visto...
Pura vaidade, escrever!
Pegar da pena... Olhai que graça terá isto,
Se já se sabe tudo o que se vai dizer!...

V. DAS BELAS FRASES

Frases felizes... Frases encantadas...
Ó festa dos ouvidos!
Sempre há tolices muito bem ornadas...
Como há pacóvios bem vestidos.



VI. DO CUIDADO DA FORMA

Teu verso, barro vil,
No teu casto retiro, amolga, enrija, pule...
Vê depois como brilha, entre os mais, o imbecil,
Arredondado e liso como um bule!


[Mario Quintana; Espelho Mágico, 1945]

Fernando Pessoa


AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa


Carlos Drummond de Andrade

Procura da poesia


Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 13 de março de 2010

Sophia de Mello Breyner Andresen

A paz sem vencedor e sem vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos



                                      Erguei o nosso ser à transparência
                                      Para podermos ler melhor a vida
                                      Para entendermos vosso mandamento
                                      Para que venha a nós o vosso reino
                                      Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos


                                      A paz sem vencedor e sem vencidos

                                      Fazei Senhor que a paz seja de todos
                                      Dai-nos a paz que nasce da verdade
                                      Dai-nos a paz que nasce da justiça
                                      Dai-nos a paz chamada liberdade
                                      Dai-nos Senhor paz que vos pedimos

                                      A paz sem vencedor e sem vencidos


Sophia de Mello Breyner Andresen
Dual (1972)