O Visionário
Eu vi os anjos nas cidades claras,
Nas brancas praças do país do sol.
Eu vi os anjos no meio-dia intenso.
Na nuvem indecisa e na onda sensual.
À meia-noite convoquei fantasmas,
Corri igrejas de cidades mortas,
Esperei a dama de veludo negro,
Esperei a sonâmbula da visão da ópera.
Na manhã aberta é que vi os fantasmas
Arrastando espadas nos ladejos frios:
Ao microfone eles soltavam pragas.
Vi o carrasco do faminto, do órfão,
Deslizando, soberbo, na carruagem.
O que renegou a Deus na maldição,
Vi o espírito mau nas ruas,
Cortando os ares com seu gládio de sangue.
Vi o recém-nascido asfixiado
Por seus irmãos, à luz crua do sol.
Vi atirarem ao mar sacos de trigo
E no cais um homem a morrer de inanição.
À luz do dia foi que vi fantasmas,
Nas vastas praças do país do amor,
E também anjos no meio-dia intenso,
Que me consolam da visão do mal.
Murilo Mendes. As Metamorfoses.
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